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Outras fontes de pesquisa genealógica: o Registro Nacional de Estrangeiro
Gabriela Araújo - Analista de Pesquisa
A pesquisa genealógica, seja para o reconhecimento de cidadania ou para a reconstrução das origens familiares, pode ser um desafio, especialmente ao se buscar documentos relacionados à imigração. Além de encontrar esses documentos, sua interpretação pode ser complexa, exigindo atenção para evitar anacronismos ou equívocos.
Um dos principais documentos referentes aos imigrantes no Brasil é o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), muitas vezes conhecido como carteira modelo 19, ou erroneamente chamado de “cartão de imigração”. Neste artigo, vamos explorar esse registro, suas características e como ele pode ser útil na pesquisa genealógica.
O Registro Nacional de Estrangeiro foi criado pelo Decreto-Lei nº 406, de 4 de maio de 1938 [1], e regulamentado em 20 de agosto do mesmo ano pelo Decreto nº 3.010 [2]. Esse decreto, instituído durante o governo de Getúlio Vargas, estabeleceu uma série de normas para regulamentar a entrada de estrangeiros no Brasil. Na época, o elevado número de imigrantes era visto como uma questão de ordem nacional [3].
O RNE era obrigatório para todos os estrangeiros vivos, não naturalizados, entre 18 e 60 anos. As fichas eram emitidas por delegacias especializadas e incluíam informações como nome completo, filiação, nacionalidade, profissão, endereço e, frequentemente, a data de entrada no país. Além disso, o documento deveria registrar movimentações do imigrante, como mudanças de emprego.
Após a extinção do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS-SP), em 1992, o acervo com mais de um milhão e meio de fichas de estrangeiros produzidas nas delegacias da capital e Grande São Paulo foi transferido para a Secretaria de Cultura. Em 1994, essas fichas foram doadas ao Museu da Imigração e, em 2011, junto com outros registros preservados pelo museu, foram encaminhadas ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que já possuía fichas de algumas delegacias do interior do estado [4].
Em pesquisas genealógicas, o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) frequentemente gera dúvidas, especialmente quando os documentos relacionados a esse registro não são encontrados. Isso costuma ser explicado pela idade que o antepassado tinha quando a obrigatoriedade do registro foi decretada. Um exemplo comum é quando alguém pergunta: "Por que não encontro o registro de estrangeiro do meu antepassado?". Ao investigar, pode-se descobrir que o antepassado nasceu nas décadas de 1860 ou 1870, e mesmo que estivesse vivo em 1938, não seria obrigado a se registrar, conforme a legislação da época.
Outra questão recorrente é: "Por que não encontro registros de chegada de navios na data informada como 'desembarque' no RNE do meu antepassado?". É importante lembrar que a data de desembarque registrada no RNE era declarada pelo imigrante. Muitas vezes, a família havia chegado no final do século XIX, quando o passaporte era único para todo o grupo familiar e ficava com um dos membros. Com o tempo, esse documento se perdia ou deteriorava, levando a imprecisões sobre a data, mês, ano e até mesmo o porto de chegada, já que a memória se tornava a principal fonte dessas informações.
Para pesquisar o RNE, ou mais propriamente a ficha remissiva do prontuário de registro de estrangeiro, é fundamental saber onde os imigrantes viveram, o que torna indispensável a construção de uma árvore genealógica e a busca por documentos ligados a eventos importantes, como casamentos e nascimentos de filhos. As fichas das delegacias da capital e Grande São Paulo foram digitalizadas, indexadas e estão disponíveis para pesquisa online nos sites do Arquivo Público do Estado de São Paulo e do Family Search. Além disso, o Arquivo Público do Estado oferece a consulta presencial, mediante agendamento, de fichas produzidas em delegacias de algumas cidades do interior de São Paulo [5].
Outro passo importante na pesquisa é solicitar o prontuário correspondente ao RNE no Arquivo Nacional, que preserva registros de estrangeiros entre 1939 e 1987. Os documentos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste estão arquivados em Brasília, enquanto os do Sul e Sudeste estão no Rio de Janeiro [6]. O Arquivo Nacional também oferece um serviço online para solicitações de documentos. Para imigrantes que viveram no estado de São Paulo, a solicitação de prontuário deve incluir dados como nome completo, filiação, e números da carteira e do registro. Já para aqueles que viveram em outros estados, é possível solicitar o prontuário mesmo sem os números da carteira e do registro [7].
Além de fornecer informações essenciais para processos de cidadania, encontrar o Registro de Estrangeiro de um familiar permite traçar as rotas migratórias dos antepassados dentro do Brasil. Dessa forma, a pesquisa genealógica vai além da coleta de documentos, promovendo o entendimento e a valorização de histórias familiares que, muitas vezes, não foram transmitidas de geração em geração.
Foto de chamada: O documento pertence ao acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo e foi acessado via site do FamilySearch.
Referências bibliográficas
[1] Decreto n.º 406 de 4 de maio de 1938. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-406-4-maio-1938-348724-publicacaooriginal-1-pe.html
[2] Decreto n.º 3.010 de 20 de agosto de 1938. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-3010-20-agosto-1938-348850-publicacaooriginal-1-pe.html
[3] Quem entra no Brasil? - As restrições regulamentadas - o Decreto nº 3.010, de 20 de agosto de 1938. Série Migrações em Debate, 2020. Blog Museu da Imigração. Disponível em: https:// www.museudaimigracao.org.br/blog/migracoes-em-debate/quem-entra-no-brasil-as-restricoes-regulamentadas-o-decreto-no-3010-de-20-de-agosto-de-1938
[4] Descrição arquivística do acervo do fundo Secretaria de Promoção Social do Estado de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Disponível em: icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/secretaria-da-promocao-social;isad
[5] Base de dados para consulta online sobre imigração. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Disponível em: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/acervo/solicitacao_certidoes/imigracao
[6] Entrada de Estrangeiros. Arquivo Nacional, publicado em 28 de outubro de 2020 e atualizado em 05 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br/servicos/acervos/copy_of_acervos-mais-consultados/entrada-de-estrangeiros
[7] Idem.