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Resenha sobre a exposição "Onde o arco-íris se esconde"
por Jemima Ajayi
Inaugurada em 8 de julho e em cartaz até o dia 26 de novembro deste ano, as 60 pinturas, 12 poemas e 2 vídeos da nova exposição de Paulo Chavonga Onde o arco-íris se esconde buscam subverter e chamar a nossa atenção ao racismo e a xenofobia enfrentados por muitos migrantes africanos no Brasil hoje em dia através de celebrar a vida cotidiana dos africanos tanto aqui em São Paulo quanto na Angola natal do artista.
Nos últimos anos, africanos de vários países diferentes chegaram ao Brasil na tentativa de conquistar um futuro melhor. Considerando a relação entre as Américas e a África que transcende mais de quatro séculos e que mais da metade da população brasileira é de ascendência africana, essa "segunda vinda" de africanos deveria, em teoria, ser um processo sem muitas complicações. No entanto, muitos têm dificuldade de se sentir em casa aqui devido ao preconceito dentro das estruturas de poder do Estado e até mesmo entre os cidadãos brasileiros. No ano de 2022, o migrante congolês Moïse Kabamgabe, de 24 anos, foi espancado até a morte no Rio de Janeiro após tentar receber seu salário [1]. O fato de seu caso não ser único diz muito sobre a hostilidade que muitos de origem africana enfrentam neste país. Quando consideramos o fato de que os corpos negros no Brasil são brutalizados com tanta frequência - Marielle Franco, Thiago Flausino e, mais recentemente, Bernadete Pacífico, para citar alguns - não foge a essa regra que esse tratamento abominável seja estendido àqueles que vêm diretamente da África hoje.
É nesse contexto que surge a mais recente exposição de Paulo Chavonga, Onde o arco-íris se esconde, aqui no Museu da Imigração.
Para Chavonga, o tema da migração para o Brasil - com ênfase específica naqueles que vêm do continente africano - é um dos que têm precedência em seu trabalho. Nas duas últimas exposições do artista angolano, Afrikas: Olhares Descoloniais (2022), no Centro Cultural São Paulo (CCSP), e Os Rostos Invisíveis da Imigração (2021), aqui no Museu, como parte do Programa de Residência Artística, ele procurou fazer a ponte entre os brasileiros e a comunidade migrante, tornando-os protagonistas de seu trabalho. Sua exposição mais recente é, a meu ver, sua tentativa mais bem-sucedida de construir pontes entre culturas e pessoas. Desta vez, a inclusão do documentário de curta-metragem que o próprio Chavonga produziu, Sonhos Exiliados (2023), dá voz àqueles que ele pinta e, assim, permite que nos conectemos mais profundamente com eles e suas experiências como migrantes na maior metrópole da América do Sul.
Tomando sua terra natal, Angola, como ponto de referência, Chavonga insere sua própria experiência como migrante africano na capital paulista, explorando o tema da identidade, da cultura, da história e do cotidiano. Ao focar em sua relação com o passado e o presente de seu país, ele convida o público a se envolver ainda mais com a complicada relação que os migrantes têm com suas terras natais. Em outras palavras, as pessoas partem por um motivo - esse motivo normalmente é estabelecer uma vida mais estável quando seus países de origem não têm as estruturas necessárias para oferecer essa possibilidade. Os vários retratos deixam claro que a vida em Angola foi profundamente marcada pela instabilidade política decorrente da luta do país pela independência do domínio português na década de 1970 e da vida subsequente sob o domínio do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que permanece no poder até hoje.
Ao iniciar o circuito da exposição com o ousado retrato da rainha medieval Nzinga, que lutou contra a invasão portuguesa da terra que hoje é conhecida como Angola, Chavonga afirma desde o início que seu país é um de força e resistência, celebrando uma história que talvez poucos fora do país conheçam. As pinturas a seguir se referem aos anos de guerra civil pós-independência, com destaque para a pintura Não Reciclável (2020), que faz parte de sua série Soldados Urbanos. A pintura mostra um homem de costas para o observador, carregando uma lixeira verde que contém o que parecem ser rifles e a bandeira do MPLA. O artista discutiu como essa pintura representa o desejo do povo angolano de mudança e de que a violência militar não se repita no futuro do país.
Entretanto, dentro dessas dificuldades, o artista destaca a beleza e a força de Angola e de seu povo - principalmente por meio de corpos femininos e crianças, que são figuras proeminentes em sua obra. Para Chavonga, as mulheres têm desempenhado um papel vital na tarefa contínua de reconstruir o país a partir das cinzas do colonialismo. Nas muitas obras que retratam as mulheres, muitas vezes com um bebê preso às costas, elas carregam cargas pesadas na cabeça, o que talvez simbolize essa responsabilidade que elas têm pela melhoria da sociedade angolana, além de refletir a maneira como as cargas são carregadas em muitos países africanos. As crianças, também um motivo importante na obra do artista, trazem um ar de inocência e alegria. Chavonga acredita no poder dos jovens e, talvez, ao dar a eles uma posição tão central em seu trabalho - retratando-os brincando e explorando - ele também esteja nos lembrando por que é tão importante que os países garantam o bem-estar e o crescimento deles: afinal, eles são os futuros líderes e criadores de nossas sociedades.
Por meio dessas representações da vida cotidiana, começamos a entender o que significa o arco-íris mencionado no título da exposição, algo que o artista explicou em suas reuniões organizadas com as equipes do museu: é a beleza dentro das pessoas que está escondida por trás do preconceito e dos estereótipos atribuídos a elas. Fica claro, então, que Chavonga não está apenas lidando com o tema da migração africana, mas também com a descolonização da visão que temos do continente africano e dos muitos povos e culturas que nele vivem. Durante a Jornada do Patrimônio, realizada no dia 19 de agosto aqui no Museu, o artista falou sobre a frequência com que a história da África e de seu povo é contada a partir da perspectiva daqueles (principalmente os europeus) que pretendem retratar o continente de uma forma específica e muitas vezes negativa. Isso levou à criação de muitos estereótipos prejudiciais e a uma falta geral de compreensão sobre a África. Portanto, a pergunta é: por que a migração da África seria vista de forma positiva se a opinião geral sobre a África como um todo é negativa? Não é nenhum mistério saber por que o Brasil há tanto tempo celebra avidamente sua herança europeia, considerando o fato de que a Europa tem uma imagem tão positiva em todo o mundo - uma imagem que os próprios europeus criaram. Em reação a isso, Chavonga, como homem africano, tem o objetivo de desvelar os arco-íris da África, percorrendo sua terra natal, Angola, e permitindo que um retrato do continente seja contado pelos olhos e bocas daqueles que são de lá.
Observar o trabalho do artista angolano e a maneira como ele conecta a África e as Américas nos faz pensar no fotógrafo britânico-jamaicano Armet Francis e em sua exposição The Black Triangle (O Triângulo Negro), de 1983, exibida na Photographer's Gallery, em Londres [2]. Francis foi amplamente inspirado pela rota do Comércio Transatlântico de Escravos, que ligava a África, as Américas e a Europa. Por meio de seu trabalho, ele foi levado a muitos países dos três continentes com três palavras em mente: "Humanidade - Percepção - Compaixão". Uma coisa que chamou a atenção do fotógrafo foram as semelhanças culturais que ele encontrou nos lugares que visitou, principalmente nos mercados. Isso é algo que Chavonga, em sua ponte entre a África e a América, também observou. Na Jornada mencionada acima, ele comentou sobre como, em exposições anteriores no Brasil, as pessoas o confundiram com um artista nordestino devido às semelhanças que as pessoas veem na maneira como as mulheres retratadas em seu trabalho carregam itens na cabeça - algo que também é comum na região que é famosa por ser o lugar com maior influência africana no Brasil. Em última análise, tanto o trabalho de Francis de 40 anos atrás quanto a exposição atual de Chavonga nos lembram da conexão entre pessoas e continentes e que devemos buscar humanidade, discernimento e compaixão em vez de nos concentrarmos no que nos torna diferentes.
Há cerca de um século, muitos europeus deixaram suas terras nativas por vários motivos: para escapar da pobreza, da guerra ou mesmo apenas para experimentar a vida em uma terra distante. O fluxo migratório mais recente da África para o Brasil é alimentado exatamente por essas motivações. O trabalho de Chavonga e daqueles que vieram antes dele existe para nos lembrar que o povo africano tem o direito - um direito constantemente concedido aos europeus - de circular livremente pelo mundo.
*Jemima Ajayi é estudante britânica formada em Letras pela Universidade de Newcastle na Inglaterra. Realizou estágio no Museu da Imigração de São Paulo como parte do programa concebido pelo CISC (A Coligação de Sítios de Consciência), que oferece a estudantes a oportunidade de ganhar experiência profissional em instituições que buscam ligar as lutas do passado com as de hoje para um futuro mais justo.
[1] Como assassinato brutal de congolês no Rio gerou revolta no Brasil e no mundo - BBC News Brasil. Como assassinato brutal de congolês no Rio gerou revolta no Brasil e no mundo - BBC News Brasil
[2] Armet Francis: The Black Triangle | The Photographers Gallery. https://thephotographersgallery.org.uk/whats-on/armet-francis-black-triangle