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30 anos do MI: Um museu dirigido por mulheres
Por Thiago Haruo Santos
A consolidação do Museu da Imigração foi dirigida por mulheres. Apesar dos vários perfis e funções desempenhados por muitos profissionais dedicados à instituição nos últimos 30 anos, essa é uma informação, muitas vezes, desconhecida pelo público. Conforme apresentado no texto introdutório desta série, o MI foi criado a partir do decreto 36.987 de 25 de junho de 1993. Nesses 30 anos de atuação, o Museu enfrentou as conjunturas socioeconômicas e políticas da história mais recente de São Paulo e do Brasil.
Neste momento de celebração e reflexão, gostaríamos de recordar a gestão de cada uma dessas cinco diretoras que lideraram o trabalho de constituição do MI. Assim, vamos apresentar muito brevemente o perfil de cada uma delas e os desafios encontrados durante as suas gestões. Não se trata aqui de fazer uma avaliação do projeto executado, mas, muito mais, de contar o caminho – tortuoso e difícil em muitos momentos – percorrido pela instituição por meio dessas lideranças femininas.
Gestão Jussara Nunes Ferreira (1993-1994)
A gestão que inaugurou o Museu da Imigração é de Jussara Nunes Ferreira, socióloga formada pela Universidade Federal da Bahia, com especialização na Universidade de Paris na década de 1970. Antes de assumir o cargo no MI, trabalhou como Analista na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), do Estado de São Paulo, período no qual publicou trabalhos sobre migração interna [1] [2].
Ainda que curta, essa gestão inaugurou um discurso sobre a instituição que ecoou posteriormente. Projetava-se, naquele momento, uma instituição museológica inovadora, conectada com novas tecnologias e propostas expositivas. Buscou promover um contato com um público mais amplo, tentando abarcar setores da sociedade não acostumados a frequentar museus. Os desafios eram enormes visto que a instituição não tinha ainda nem local definido, nem acervo.
Em um dos jornais da época, Ricardo Othake, secretário da Cultura naquele momento, explicou a reforma realizada no prédio que abrigaria a instituição e o processo de aquisição de objetos para composição do acervo museológico, iniciada ali:
"Este não é um museu das grandes obras, é o museu das coisas comuns, que podem ser mostradas de forma dramática e emotiva" [3], dizia ele. O projeto de criação do Museu em si era completamente diferente do que iria se desenvolver posteriormente, sendo o Pavilhão Manoel da Nóbrega no Parque do Ibirapuera o local pensado para abrigar a instituição.
Em 1995, ocorreram eleições estaduais e a mudança no âmbito político influiu no projeto colocado em marcha desde o decreto de 1993. Houve uma desistência da ideia de instalar o Museu da Imigração no Pavilhão mencionado e a Hospedaria de Imigrantes do Brás foi escolhida definitivamente como local para abrigar a jovem instituição museológica. Apesar de não ter conseguido inaugurar a instituição, Jussara Nunes deixou o cargo, segundo relatório assinado por ela mesma, em 1995, com um projeto de acervo em andamento e dotamento orçamentário [4].
Gestão Midory Kimura Figuti (1995-2004)
Em 1995, Midory Kimura Figuti assumiu a direção do Museu da Imigração. Após dois anos da tentativa de implementar o MI no Parque Ibirapuera, a profissional assumiu uma instituição já com sérios problemas orçamentários e sem equipe técnica própria [5]. A história de dona Midory, porém, como é conhecida até os dias de hoje entre quem trabalha na instituição, remonta à Hospedaria de Imigrantes do Brás, onde trabalhava desde 1959, exercendo a função de nutricionista.
Em 1978, a Hospedaria de Imigrantes do Brás encerrou os seus serviços de acolhimento e encaminhamento de migrantes internacionais. Anos mais tarde, Midory assumiu a direção do Centro Histórico do Imigrante, criado em 1986, por decreto pelo, então governador do Estado, Franco Montoro [6]. Ela mesma, descendente de migrantes japoneses, descobriu nas documentações da Hospedaria informações dos seus avós, pais e sogros, o que a teria impulsionado a promover desde o Centro Histórico o acesso a esse tipo de informação a um público mais amplo [7].
Ainda durante a sua gestão, uma nova mudança de governo no âmbito Estadual refletiu em uma modificação significativa no próprio projeto museológico. Por meio do decreto 43.014 de 1998, o governador à época, Marcio Covas, criou o Memorial do Imigrante, congregando diversas atividades já desenvolvidas pelo Centro Histórico do Imigrante e também pelo Museu da Imigração. A nova instituição seria composta por diferentes núcleos, como o Museu da Imigração, o Centro de Pesquisa e Documentação, o Núcleo Histórico dos Transportes e o Núcleo de Estudos e Tradições. Segundo documentos coletados pela pesquisadora Letícia Souza Victor, se iniciou nesse momento a tentativa de constituição de quadros profissionais para o Museu e o estabelecimento de programas e atividades que o caracterizaram como uma instituição museológica [8].
Gestão Ana Maria Leitão (2005-2010)
A partir de 2004, passou a ser implementado no Estado de São Paulo o modelo de gestão das Organizações Socias (OS). O Memorial passou a ser gerido pela Associação Amigos do Memorial do Imigrante (posteriormente renomeada Instituto Museus, Memórias e Identidades) por meio de contrato de gestão e teve o desafio de consolidar a instituição após os anos dedicados à tentativa da criação do primeiro Museu da Imigração. Midory Kimura Figuti continou atuando no Memorial também por meio da OS e Ana Maria Leitão foi contratada como diretora-executiva.
Ana Maria cursou filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e fez parte de uma das primeiras turmas de museologia da Fundação Escola de Sociologia e Política do Estado de São Paulo (FESP) [9]. Antes de assumir o cargo no MI, trabalhou na Divisão de Iconografia e Museus (DIM) da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo, além de ter sido Diretora Técnica do Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria de Estado da Cultura [10].
Além do desafio de aprofundar a profissionalização dos variados processos do fazer museológico, a gestão também passou a buscar conexões com um campo maior das migrações que passava a se articular internacionalmente. Nesse sentido, um dos grandes desafios enfrentados foi inserir o Memorial do Imigrante em um debate que era realizado internacionalmente sobre a musealização do fenômeno migratório [11]. Naquele momento, as primeiras gerações de museus de imigração no mundo já buscavam conexões e o MI figurava no cenário como uma dessas entidades pioneiras [12]. Ao mesmo tempo, o Memorial criou um forte vinculo com doadores e comunidades de migrantes internacionais que se refletiria no trabalho posterior desenvolvido pelo Museu da Imigração.
Gestão Marília Bonas Conte (2012-2017)
Em 2010, então, o Memorial foi fechado para a primeira grande reforma com o fim de adequar o edifício para abrigar uma instituição museológica. Um novo contrato de gestão foi assinado pela Associação dos Amigos do Museu do Café (que se chamaria, posteriormente, de Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração - INCI) já em meio aos preparativos da reabertura do Museu. Nesse momento, assumiu a nova diretora-executiva Marília Bonas Conte [13].
Historiadora, com pós-graduação em museologia social pela Universidade Lusófona de Lisboa, antes de assumir o cargo, Marília exerceu diversas funções vinculadas à pesquisa, preservação e educação em instituições de cultura. Em 2011, assumiu o cargo de diretora técnica no Museu do Café, localizado na cidade de Santos e também gerido pela mesma OS [14]. A partir da definição da chamada pública para gerir o MI, em agosto de 2012, assumiu, assim, os cargos de diretora-executiva em ambos museus.
Os desafios enfrentados por essa gestão, no início, se referiam tanto às demandas vinculadas à própria reabertura do Museu, assim como uma necessidade de resposta ao novo cenário migratório que já se fazia bastante evidente na cidade de São Paulo. Para refletir essa mudança, uma nova exposição de longa duração foi produzida, buscando introduzir uma compreensão sobre a migração como um fenômeno humano, para além dos contextos históricos ou geográficos. Um novo Plano Museológico foi criado, modificando as missões assumidas, e as equipes também foram renovadas. A instituição passou a adotar a denominação de origem e voltou a se chamar Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Por meio das programações e dos projetos, passou a reconstruir as relações tanto com o público, assim como com as comunidades migrantes.
Gestão Alessandra Almeida (2018-Atual)
Alessandra Almeida é a atual diretora-executiva do Museu da Imigração. Com formação em Direito e Administração, fez pós-graduação em direito processual civil e especialização em administração pela Fundação Getúlio Vargas. Antes de assumir o cargo, atuou como gerente jurídico e controller do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ), passando, nesse período, também a trabalhar junto ao Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração - INCI. Em 2018, ainda no contexto do contrato de gestão assinado em 2012, assumiu a direção tanto do Museu do Café, assim como do Museu da Imigração.
Os desafios mais recentes do MI têm se vinculado a uma necessidade de aprofundamento, mas também de revisão de alguns dos eixos de atuação adotados desde a reabertura e o reposicionamento conceitual do Museu de 2014. Segundo o novo Plano Museológico, adotado nesse período:
(...) partindo da premissa de que migrar é um direito humano e que as cidades (e seus museus) devem operar no sentido da valorização da diversidade cultural, promoção e proteção dos direitos humanos e da qualificação do espaço urbano, o presente Plano Museológico do Museu da Imigração reafirma e atualiza o posicionamento da instituição, profundamente engajado nas questões contemporâneas, que incorpora os fenômenos migratórios no contexto presente. Mais do que isso, manifesta sua intenção em ampliar sua representatividade sobre esse debate, projetando-se como ponte capaz de conectar diferentes vozes e olhares, contribuindo para a produção de conhecimento novo acerca da sua temática e promoção do respeito à diversidade e do direito à diferença [15].
Enquanto um dos maiores desafios já colocados até o presente momento, podemos mencionar a conjuntura gerada pela pandemia de COVID-19, crise sanitária que afetou fortemente os museus. Além disso, após oito anos, a gestão atual trabalha na requalificação da exposição de longa duração, um grande desafio que mostrará muito do caminho aberto para o futuro para a reflexão sobre as migrações.
Uma história não linear, mas de conquistas
Após 30 anos, é inegável que o Museu da Imigração atingiu um nível de institucionalização e reconhecimento que o posiciona entre os principais equipamentos de cultura do Estado de São Paulo. Essa posição, porém, não foi alcançada subitamente, logo após assinatura do decreto em 1993, nem mesmo de maneira linear. Muitos foram os elementos de cada época que acabaram influindo no avanço ou no retrocesso do que foi desejado e projetado. Apesar disso, foi por meio da direção dessas mulheres que o MI atravessou essas três décadas e se consolidou, sempre em conexão com as comunidades, enquanto um lugar importante de reflexão e memória das migrações.
Referências
[1] NUNES FERREIRA, J.; RODRIGUES, M. A absorção dos migrantes pelo mercado de trabalho da Grande São Paulo. V Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Anais..., Aguas de São Pedro, v. 2, p. 725-762, 1986.
[2] RODRIGUES, Marcia; FERREIRA, Jussara Moraes Nunes. Migração e mercado de trabalho na grande São Paulo em 1987. Anais, n. VI, p. 571-621, 2016.
[3] PEIXOTO, Mariana. "A memória paulista, em mais de cinquenta línguas". Jornal da tarde, São Paulo, 26 de maio de 1994.
[4] FERREIRA, J. Relatório de atividades. Maio de 1993 a dezembro de 1994. Museu da Imigração, 1995, p. 49, citado por, VICTOR, Letícia Suárez. Imigração musealizada: a formação das coleções dos museus de imigração de São Paulo e de Paris. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
[5] VICTOR, Letícia Suárez. Imigração musealizada: a formação das coleções dos museus de imigração de São Paulo e de Paris. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
[6] São Paulo. Decreto 25.173 de 12 de maio de 1986.
[7] Da reportagem local. "Centro Histórico do Imigrante será instalado na velha hospedaria do Brás". Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 de outubro de 1986.
[8] VICTOR, Letícia Suárez. Imigração musealizada: a formação das coleções dos museus de imigração de São Paulo e de Paris. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
[9] Na plataforma lattes, pode-se consultar informações disponibilizadas pela ex-diretora http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do;jsessionid=3B1BEE53B356CC97F880888488ADF413.buscatextual_0.
[10] ARRUDA, Beatriz Cavalcanti de. O Museu da Cidade de São Paulo e seu acervo arquitetônico. 2014. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
[11] Prova disso é a publicação de um artigo de Leitão na Revista Museum International da UNESCO, em edição especificamente dedicada ao tema migração. VIEIRA, Ana Maria Da Costa Leitão. The São Paulo Immigrants' Memorial: fields of research and challenges in the twenty‐first century. Museum International, v. 59, n. 1-2, p. 117-126, 2007.
[12] Gegê Leme Joseph, « Les musées des migrations dans le monde : problématiques principales », Hommes & migrations [En ligne], 1340 | 2023, mis en ligne le 01 janvier 2026, consulté le 07 juillet 2023. URL : http://journals.openedition.org/hommesmigrations/14800 ; DOI : https://doi.org/10.4000/hommesmigrations.14800.
[13] Vale a pena mencionar que entre o fim do contrato celebrado com Instituto Museus, Memórias e Identidades e o inicio deste novo contrato, assumiu a direção o Instituto da Arte do Futebol Brasileiro, sob a direção de Clara de Assunção Azevedo.
[14] http://lattes.cnpq.br/9527000901523535
https://www.boqnews.com/colunas/papo-com-marilia-bonas
[15] Museu da Imigração. Plano Museológico do Museu da Imigração. São Paulo, 2020. Disponível em: https://museudaimigracao.org.br/uploads/portal/gestao/transparencia/arquivos/museudaimigracao-planomuseologico-rev2022-final-24-02-2023-14-40.pdf.
Foto da chamada: Exposição temporária Mulheres em Movimento/Acervo: Museu da Imigração.